A grande mudança no regulamento desta temporada é a retirada do controle de tração. Por isso, toda vez que um piloto sofrer uma saída de traseira, seja uma escapada leve ou uma rodada grosseira, a tendência é que todos justifiquem o fenômeno através da inexistência do TC.
Porém, as traseiradas também ocorriam nos anos anteriores, o que prova que muitos outros fatores podem colaborar para um eventual desequilíbrio no carro.
Na Malásia, Felipe Massa perdeu o controle do F2008 e parou na caixa de brita. Foi um dos momentos mais frustrantes de sua carreira na Fórmula 1. Como o carro saiu de traseira, a esmagadora maioria das vozes reagiu por impulso, atribuindo ao piloto o erro devido à sua suposta má adaptação à ausência dos recursos eletrônicos que controlam a potência do motor transferida para as rodas que tracionam.
Mas será mesmo esse o verdadeiro motivo pelo desastre em Sepang?
O famoso TC costuma atuar em marcha lenta, com o propulsor em alta rotação, que são as condições ideais para a ocorrência de patinadas. Na Austrália, logo na primeira curva, Felipe rodou por ter engatado a marcha 1 ao invés de acionar a 2. Se em segunda marcha já existe sério risco de o carro escapar caso o piloto não acerte o pé, bastou colocar a primeira e acelerar como se estivesse em segunda marcha para beijar o muro.
Ali sim o controle de tração fez nítida falta.
Porém, na Malásia, as circuntâncias eram totalmente diferentes. Não se tratava de uma curva de baixa, e sim de uma curva de média a alta velocidade, que logicamente não é contornada em marcha lenta. Provavelmente é feita em quarta marcha; terceira na pior das hipóteses, caso eu esteja enganado.
Repare nos vídeos de voltas mais felizes do Felipe.
Pole do Massa, 2008:
Se um piloto acelerar demais na saída daquela curva, ele até pode parar na grama, mas vai sair reto, pela tangente. Não haverá traseirada.
Além disso, pelo primeiro vídeo é possível notar que a perda de controle sobre o carro foi extremamente brusca. É como se você colocasse seu F-1 de miniatura em cima da mesa e acertasse um tapa na roda traseira direita: A traseira foi lançada para o lado de fora. Não passa a sensação de as rodas terem girado em falso, muito menos diante de uma reaceleração progressiva - e normal - como foi o caso. Essa hipótese não parece convincente para uma escapada súbita.
Tudo leva a crer que a única explicação plausível para o acidente foi apresentada pelo porta-voz da Ferrari, Luca Colajanni: "Quando Massa tocou a zebra na curva 6 com mais força do que o usual, criou no carro fluxos aerodinâmicos que o deixaram desequilibrado, por transferir parte da pressão gerada para a frente. Ao começar a curva seguinte, a número 7, a traseira do carro de Massa escapou de repente por causa desse desequilíbrio aerodinâmico. Consideramos o toque na curva 6 acima do normal um pequeno erro que, em razão da natureza das curvas seguintes, gerou a saída de pista".
Pulemos eufemismos do tipo "pequeno erro", e vamos ao que realmente interessa. Aquela zebra simplesmente não deve ser atacada. Com ou sem TC, o correto é não atacar. E o vídeo de 2007 está aí para provar.
Volta do Massa, 2007:
Destaquemos da declaração do porta-voz o termo "natureza das curvas seguintes". A tal "natureza" refere-se à sequência de pernas para o mesmo lado. Assim como ninguém ousa atacar uma zebra sequer da poderosa curva 8 de Istambul (possui quatro pernas), ninguém tem nada que investir contra aquela zebra de Sepang, pela mesma razão.
Massa atacou, deu uma bela quicada e perdeu todo o equilíbrio.
Daí a pergunta: Por que o brasileiro atacou? Não é o tipo de resposta que se baseia em análises técnicas, mas sim humanas: Atacou por livre e espontânea pressão.
Massa colocou quase meio segundo sobre o companheiro no treino, mas não conseguiu abrir vantagem no primeiro terço da prova e foi superado logo após a rodada inicial de pit stops. Quando rodou, o Raikkonen já estava uns 4s a sua frente.
A conclusão lógica é que o finlandês consegue imprimir um ritmo muito mais forte durante a corrida. Mas Felipe não desistiu e quis ir buscar. Embora fosse competitivo na primeira e terceira parciais, Kimi ganhava de lavada na segunda. Se havia algum trecho onde ele poderia descontar, certamente era ali, justamente onde ocorreu a patacoada.
Forçar o ritmo e tentar uma trajetória mais curta para alcançar o campeão mundial acreditando que iria devolver a ultrapassagem foi um pensamento razoavelmente otimista do brasileiro. Brigar por vitórias é importante, mas a regularidade é a palavra-chave para se manter na disputa do campeonato, sobretudo com este sistema de pontuação atual.
Este momento de tensão deve ser encarado com um período de aprendizado, um instante para repensar a maneira de enxergar a competição. Se não for win, que não seja wall. Pontuar é o mais importante. Claro que uma vitória agora em Sakhir seria o ideal, mas um pódio também não seria ruim, assim como em Sepang também não era.
O que mais lhe falta no mundial são os pontos. Sobram-lhe riscos assumidos seguidos de infelizes execuções. Desde que chegou na Ferrari, em 2006, anda devendo no quesito regularidade. Felipe Massa é um piloto rápido, arrojado, combativo. É um piloto muito bom, por mais que queiram pensar o contrário. E se pensam, é por desproporção nos ingredientes. Às vezes falta cérebro e sobra explosão. Um pouco mais de cautela e constância traria a estabilidade de que precisa.
E precisa pra já, antes que o estilo win or wall seja a ele atribuído. O que corresponderia a uma crítica impiedosa para um piloto de ponta da Fórmula 1 moderna.