Acorda, Ferrari

Kimi Raikkonen é digno de elogios. Sua postura de unir Coca com picolé enquanto o mundo desabava lá fora é admirável. Não só por chutar o balde, mas também por ser possível interpretar, nas entrelinhas, certa repulsa pelas façanhas de Bernie Ecclestone e da equipe Ferrari.

O primeiro ainda tem a desculpa de ser um velho ambicioso e gagá, que resolveu desafiar os fenômenos naturais da Malásia: a chuvinha de fim de tarde e a chegada da noite.

No caso da escuderia que mais erra na F-1, o finlandês teve de suportar um jogo de pneus biscoito durante tantas voltas sobre asfalto seco, que levou sua corrida por água abaixo, com o perdão do trocadilho.

Posicionado em 14º no momento do dilúvio, nada melhor que encerrar quaisquer expectativas de correr para esses trapalhões e ir fazer seu lanchinho.

Nas entrevistas, disse sem medo: "Em Melbourne, eu errei, mas hoje foi o time. E o resultado foi mais uma corrida sem pontos".

Está certo, ele. Já passou da hora de os pilotos ferraristas apontarem o dedo para a equipe quando for justo e necessário. Felipe Massa - que continua fazendo questão de passar a mão na cabeça do pit wall e dividir a culpa com os diretores - se apoia na conversa fiada de que "a equipe não pode ter sido incrível no ano passado, e ter se tornado estúpida agora". Tem razão, ela era já era estúpida no ano passado.

Os frequentes erros de estratégia datam desde a retirada completa da dupla Todt-Brawn. É o caso de os pilotos começarem a se impôr. Como o Montezemolo ainda não desenvolveu coragem o suficiente para tomar medidas extremas, chegou o momento de os pilotos passarem a falar grosso dentro da equipe, não há motivo para baixar a cabeça diante de uma cúpula tão destrambelhada.

As decisões da Ferrari são absurdas, no geral. Qualquer criança que acompanha a F-1 repara de imediato quando algo de errado está para acontecer nos boxes vermelhos. O que se passava na cabeça do Felipe quando foi retido na garagem durante o treino mesmo sabendo que a volta cravada estava longe do ideal? O que se passava na cabeça do Kimi quando lhe disseram que seria devolvido à pista com compostos de chuva sem conseguir visualizar um gota d'água sequer?

A camaradagem italiana simplesmente não está funcionando. Ao contrário de outras equipes, nunca ouvimos piloto e engenheiro discutindo no rádio ferrarista. Quando o chefe ou o engenheiro contar que pretende fazer uma bela bobagem, o homem do cockpit tem que levantar voz e vetar. Normalmente a visão dos que habitam o pit wall é mais ampla que a de quem pilota, mas o pit wall da Ferrari adquiriu uma terrível cegueira desde a última temporada e sofre até hoje com esta deficiência.

Massa e Raikkonen precisam assumir mais responsabilidade sobre as decisões, exercendo maior influência nos ajustes estratégicos, já que Domenicali e cia. ainda não aprenderam a lidar inteligentemente com tal arte. E uma coisa é errar tendo um dos melhores carros do grid, outra é falhar com um carro relativamente bom. Neste ano, será ainda mais difícil recuperar os pontos perdidos.